Querido diário hoje eu... não...
ah mais que droga!
ok!
uff! Hoje eu pirei novamente e arrumei uma briga então me deram essa porcaria de diário para que eu escrevesse tudo o que estava sentindo, minhas frustrações, alegrias e etc. Acontece que eu não sou boa nisso... Escrever como se estivesse conversando com alguém é no mínimo estranho, mas se eu não fizer isso eu vou acabar pirando, então vamos lá! Meu nome é Maria Eduarda e eu tenho... Ah sei lá quantos anos, e hoje é dia... ts droga não sei nem que merda de dia é hoje! Mas eu acho que antes de começar a escrever sobre minha vida eu vou ter que contar pra você minha história e pra isso eu tenho que começar do início, bem do início...
Eram meados de agosto e Eu tinha acabado de fazer 18 anos, estava no ultimo ano do ensino médio e eu lembro que na época eu achava o fim meus pais não terem me dado um carro de presente de aniversário.Ha... engraçado como nossas vidas tomam rumos diferentes... e lembrar do passado me faz perceber como, as vezes nos importamos mais com o supérfluo do que com o que realmente importa.
Mas voltando a história eu era uma adolescente normal, que tinha um pai chato que trabalhava sem parar e sempre concordava com a minha mãe, uma mãe dona de casa cuja única função era me transformar em sua empregada particular e a peste da minha irmã mais nova Maria Luísa que adorava remexer as minhas coisas e roubar minhas roupas e já viram que não faltou inspiração pra escolher nossos nomes né? Bom nós eramos uma família normal, com uma casa normal, com um carro normal e até um cachorro chamado Bob (sob minhas objeções, eu achava Harry Potter um nome muito mais legal pra dar a ele). Basicamente nós eramos iguais a qualquer outra família classe C moradora da baixada fluminense no suburbio do Rio de Janeiro.
Eu lembro da ultima noite que passei com a minha família nós estávamos tendo outra discussão ridícula sobre comprar um carro pra mim
-Mas porque não!!? Eu já sei dirigir e eu to tirando carteira mãe! Fala pra ela pai! – eu estava fazendo um escândalo olhando de um lado pro outro quase chorando enquanto minha mãe calmamente cortava a salada pro jantar e meu pai assistia ao jornal sentado no sofá, com os pés na mesinha de centro.
Meu pai tirou os olhos por um instante da tv respirou fundo e me olhou tentando falar alguma coisa, mas sem nada pra dizer voltou a assistir o jornal.
-Paiiiii- olhei pra ele incrédula com a falta de coragem dele em discutir com a minha mãe, agora eu vejo que meu pai era uma pessoa extremamente paciente que sempre aguentava meus chiliques e da minha irmã e de quebra a impaciência da minha mãe.
-Olha querida
-José Ricardo!
Minha mãe gritou da cozinha, impedindo meu pai de manifestar sua opinião. Não é que eles fossem o tipo de casal que um manda e o outro abaixa a cabeça, mas eles já tinham conversado sobre isso antes e ficou decidido que não tinham como me comprar um carro, por que veja bem nós erámos em quatro e o único que trabalhava era o meu pai como técnico de informática em uma empresa de computação e fazendoa uns bicos de vez em quando então eles não tinham condição de ceder aos meus caprichos.
-nós já conversamos sobre isso Maria Eduarda! Quer um carro? Levanta essa bunda de frente do computador e vai arrumar um emprego! Você já tem dezoito anos e não quer fazer nada dentro de casa! Não trabalha, não estuda, não sabe o que quer fazer da vida e ainda acha que tá merecendo um carro!? Ah faça- me o favor né Maria Eduarda!?- minha mãe berrava da cozinha enquanto jogava a salada numa vasilha e enchia de vinagre, azeite e sal.
Irritada, meus olhos encheram d’água, grunhi e amarrei a cara no meu modo bastante adulto de terminar uma discussão. Meu pai sentado no sofá olhou pra mim e abriu os braços.
-Querida -me aninhei no sofá perto dele o abracei já chorando- você tem que entender que nós não temos condição mas se você quiser eu poço te arrumar um emprego-grunhi em questionamento na menor menção a procurar um emprego- ok então você já começou a pensar no que quer fazer? Talvez uma faculdade ou um curso técnico igual aquele que a sua prima Ana fez lembra?
-aha mas ainda to pensando ...
-Ouviu Sônia? A menina ta pensando...
-Isso é mentira dela José Ricardo! ta pensando, pensando e nunca decide nada! –minha mãe parou o que estava fazendo na cozinha veio pra sala nervosa com o rosto vermelho com a faca numa mão e uma cenoura na outra a pontando a faca pra mim- Já estamos no final do ano o ENEM vem ai eu só quero ver o que você vai fazer Maria Eduarda! Por que não dá pra ficar esperando a resposta cair do céu né?
Depois voltou pra cozinha na mesma pressa em que veio. Afundei o meu rosto nos braços do meu pai que afagava meu cabelo, igual quando eu era pequena e não conseguia dormir.
O cheiro de carne empesteava a casa toda e o cachorro animado com as sobras que iriam pra ele não paravam de latir.
-Helo pessoal to em casa!
Minha irmã Maria Luísa chegou rebolando em uma maravilhosa calça jeans de lavagem escura e uma regata com estampa de alguma bandinha da moda.
-isso lá são horas de se chegar em casa Maria Luísa!? Já estava achando que tinha sido sequestrada, estava quase ligando pra polícia! O que é não tem celular, mas não?
-Ai mãe eu só estava na casa da Sandra! – minha irmã nos seus quinze anos já tinha mais vida social do que eu em toda a minha existência, não é que eu fosse antissocial nem nada, mas... Não eu sou antissocial mesmo.
- e por um acaso lá não pega celular não Maria Luísa?
-Pega mãe mas eu achei que não precisava ti ligar, desculpa tá? Da próxima vez eu ligo ok?
-hum...
Minha irmã era esperta sabia levar todo mundo na lábia e inclusive minha mãe que sempre perdoava os seus delitos.Mas nesse dia eu estava furiosa e não iria perdoar, levantei correndo já irrita e fui para cozinha.
-Engraçado né! Se fosse comigo a senhora já teria feito um escândalo botado de castigo e tudo!
-deixa de bobeira garota! Eu trato as duas igual!
-aha sei! Quanta injustiça estão fazendo nessa casa! Eu não posso ter um carro mas a malu pode sair e chegar a hora que quiser que a senhora não fala nada!
-Olha como você fala comigo garota!
Batendo os pés sai da cozinha e fui me trancar no meu quanto, quer dizer meu e da minha irmã cuja a força psíquica sobre as pessoas era tão grande que mesmo eu falando primeiro que eu ia dormir no beliche de cima ela conseguiu a proeza de convence-los que eu deveria dormir no de baixo. Estava nervosa e irritada por uma coisa boba hoje eu admito e consigo rir disso, mas na época aquela era a coisa mais importante pra mim. Como nossos sonhos e objetivos mudam rápido...
-duda vem a mamãe mandou ta chamando pra jantar! Duda?
Sem resposta
A Luísa tentou abrir a porta, mas estava trancada.
Silencio.Eu conseguia ouvir de longe o barulho da tv e a voz da minha mãe e minha irmã conversando.
-mãe a Duda se trancou lá no quarto e eu acho que ela não vai vir não...
-A mais vai vir sim!
Eu consegui imaginar minha mãe limpando as mãos no pano de prato com a cara amarrada irritada vindo em direção ao quarto.
-Maria Eduarda! Maria Eduarda!- minha mãe batia incansavelmente na porta do meu quarto
-José Ricardo vem aqui falar com essa menina!
Silêncio
Uma luz seguida de um barulho estridente e depois
Dor...
Muita dor...
-Sônia você esta bem?!
-sim, sim... e cade as meninas?!- eu conseguia ouvir de longe minha mãe perguntando, com a voz embargada, desesperada.
-Eu to aqui!- ouvi Luísa responder
-Graças a Deus! E-e cade a Eduarda!? Cade a Maria Eduarda!?- eu sentia o desespero na voz da minha mãe, mas era como se houvesse um muro entre mim e eles. um muro de dor muita dor.
Inconsciência.